Apenas bons casamentos salvariam as irmãs Bennet da pobreza e indiferença da sociedade aristocrática do início do século 19. Porém, uma delas, Elizabeth, não quer apenas um marido, e sim um grande amor. Neste contexto entra em cena um dos homens mais apaixonantes da literatura: Mr. Darcy. Figura central do romance “Orgulho e Preconceito”, o personagem comemora 200 anos nesta segunda-feira (28). Foi em 1813 que a escritora inglesa Jane Austen traduziu em palavras o ideal masculino que, mesmo após dois séculos, ainda faz estremecer.
Mr. Darcy nasceu rico, tem posses e estudos. Porém, um encanto peculiar faz sua condição social parecer irrelevante. O je ne sais quoi do cavalheiro mora na profundidade dos seus sentimentos, nas frases avassaladoras, e, evidentemente, no temperamento forte e provocativo. “Além disso, ele é rejeitado pela amada e tem que se desdobrar para reconquistar o amor dela. Este enredo faz parte do imaginário feminino”, explica Amilcar Santos, professor de Língua Portuguesa e Literatura.
“Ele é diferente porque não está ali para agradar. A princípio é mais esnobe que mocinho. Jane Austen nos mostra um cavalheiro que possui certos preconceitos em relação às pessoas de classes sociais inferiores – diferente do amigo Mr. Bingley, que pode até ser considerado o herói romântico do livro, pois, igualmente rico, se apaixona à primeira vista por Jane, irmã de Elizabeth”, lembra Adriana Zardini, tradutora de três livros de Jane Austen para o português ["Emma", "Razão e Sensibilidade" e "Mansfield Park"] e especializada na autora pela universidade de Oxford.
Para Santos, boa parte da arrogância de Mr. Darcy está ligada à realidade socioeconômica daquela época. Mas ao superar a si próprio, Darcy prova que merece o amor Elizabeth.
As leitoras concordam. Ao desconstruir a imagem arrogante, Mr. Darcy se enquadra em todas as exigências femininas. “Impossível ler ‘Orgulho e Preconceito’ e não se encantar com Mr. Darcy. Mas não o considero exatamente um romântico, e sim real, orgulhoso, porém capaz de mudar”, diz a estudante de administração Danielle Gabioli, 21 anos, fã de Austen.
“Quando ele diz a sua tão famosa frase ‘you must allow me to tell you how ardently I admire and love you’ [em português, algo como: você tem de me permitir dizer com quanto ardor eu admiro e amo você”], o faz dando uma ordem, logo após ter explicitado todos os motivos pelos quais esses sentimentos contrariam sua razão e até seus valores”, diz Daniella. “A mudança dele é para mim o evento mais importante do livro, a prova de quão real o personagem pode ser – ou quão real gostaríamos que ele fosse”, diz.
De acordo com Vanessa Hannud, 23 anos, “o personagem é apaixonante porque tem o caráter dos mocinhos, mas traz o lado arrogante dos bad boys”. “Nos romances, o mocinho normalmente tem o lado bom ressaltado. O Darcy foge disso; ele imprime arrogância e tudo o que ele faz de bom fica escondido”.
“Ele parece não se importar com Elizabeth, mas no fundo está preocupado, apaixonado. É o tipo de homem de uma mulher só”, diz a consultora de Recursos Humanos, Paola Barban, 30 anos, que assiste ao filme baseado no livro quase todos os domingos.
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Trecho de romance traz uma das frases mais marcantes de Darcy |
Um Mr. Darcy na vida de Jane Austen
Se em “Orgulho e Preconceito” Austen criou um modelo perfeito do homem romântico, na vida real estima-se que ela não teve tanta sorte no amor. Contudo, segundo o historiador inglês Andrew Norman, a autora teria se inspirado em um amor real para compor o personagem Mr. Darcy.
Para Norman, o jovem rapaz era um estudante de teologia, Samuel Blackall. O historiador chegou a essa conclusão por meio de cartas de Austen e depoimentos de pessoas próximas a ela. O casal teria se conhecido no verão de 1798, época na qual Blackall passava alguns dias em Lefroys, Hampshire, condado onde a escritora morava. Segundo ele, após um reencontro inesperado com o estudante anos depois é que Austen teria se apaixonado.
No entanto, muitos desencontros teriam atrapalhado Austen e Blackall. Em uma carta do estudante para a escritora, ele diz que não poderia encontrá-la, o que prontamente foi interpretado como descaso.
Um dos pontos mais curiosos descobertos pelo historiador e revelado em entrevista ao jornal britânico Daily Mail, é que em 1813, Austen teria sido surpreendida com a notícia do casamento de Blackall. Em uma carta ao seu irmão Francis, ela conta que gostaria que a noiva fosse “um túmulo” e “bastante ignorante”.
“Orgulho e Preconceito” foi publicado pouco tempo após tal acontecimento.
Revivendo o romance
Para relembrar o bicentenário de “Orgulho e Preconceito”, a rede britânica BBC vai recriar o baile de Netherfield, em Chawton House, a mansão que pertenceu a Edward Austen-Knight, irmão de Austen, para exibí-lo este ano na TV em um especial de uma hora e meia. A data ainda não foi confirmada. O baile marca um encontro repleto de ironias sedutoras entre Darcy e Elizabeth.
Uma série de outras comemorações vai acontecer em solo britânico este ano. Parte da programação está disponível no site Pride and Prejudice: A 200 Year Affair . Por aqui, com coordenação de Adriana Zardini, o site Jane Austen Brasil comemorou nos últimos dias o bicentenário de “Orgulho e Preconceito”, com palestras e leituras acerca da obra.
Fontes: Livros e Pessoas | IG